segunda-feira, setembro 06, 2004

Uma passagem de um livro que me fez pensar...

...Nova Iorque era um espaço inesgotável, um labirinto de passos intermináveis; mas independentemente da distância que percorresse, independentemente de se ter familiarizado com as vizinhanças e ruas, ficava sempre com a sensação de estar perdido. Perdido não apenas na cidade, mas também dentro de si. Sempre que dava um passeio, sentia-se como se deixasse a si próprio para trás, e entregando-se ao movimento das ruas, reduzido a um olho que vê, conseguia escapar à obrigação de pensar, e isto, mais do que qualquer outra coisa, trazia-lhe uma certa paz, um salutar vazio interior. O mundo estava no exterior de si, à sua volta, perante si, e a velocidade com que o mundo mudava impossibilitava-o de se prender por muito tempo a uma única coisa. O movimento era a essência, o acto de pôr um pé diante do outro e seguir a errância do seu próprio corpo. Todos os lugares se tornavam semelhantes caminhando assim sem destino, e deixava de ter importância o sítio onde se encontrava. Nos seus melhores passeios, conseguia atingir o sentimento de que não estava em sítio algum. E isto, afinal, era tudo o que pedia às coisas: não estar em sítio algum. Nova Iorque era esse nenhures que havia construído à volta de si mesmo, e apercebeu-se de que não tencionava abandonar aquela cidade, nunca...

Paul Auster - A trilogia de Nova Iorque
Às vezes, sinto algo parecido, embora numa situação um pouco diferente... No meu dia-a-dia, utilizo o comboio como meio de transporte para ir para Coimbra, para a faculdade... E adoro andar de comboio... Então, mal entro, procuro um lugar perto da janela, para não variar... Se for Verão, levanto a persiana e abro a janela, para deixar o ar entrar e fazer esvoaçar os cabelos, se for Inverno, entretenho-me a fazer desenhos na janela enevoada... Sento-me, enquanto o comboio começa a andar e a trepidação vai aumentando a pouco e pouco... Com um bocadinho de sorte e estando num bom dia, sinto-me como se estivesse a ser embalada, e, às vezes, até dá uma certa sonolência, parece que se vai entrar numa outra dimensão, sensação essa, que vai-se esquivando à medida que aumenta o tom de voz das empregadas de limpeza das senhoras de Coimbra... Mas o que queria, era explicar a sensação que é, de repente, desligar de tudo e olhar calmamente para a janela... Olho mais para longe, e, subitamente, o longe faz-se perto... É uma sensação tão estranha, parece que todo o mundo fica para trás, e que me dirijo para um futuro, por vezes tão incerto, mas que está à minha espera... Deixo os pensamentos fluirem entre os espaços abertos deixados pela passagem das árvores, das casas, das ruas, dos montes e vales... Encosto a cabeça ao vidro e recordações vêm-me à memória, de coisas que vivi, pessoas que encontrei, sentimentos que encheram o meu coração... Por vezes, são sonhos que vão nascendo e ficando maiores a cada segundo que passa... É tão fácil sonhar... Desvio o olhar do lado de fora da janela e começo a observar o que me rodeia, principalmente as caras das pessoas que estão à minha volta... Começo a imaginar quem serão, o que farão, donde vêm e para onde vão... Reparo como falam entre si, mesmo quando não se conhecem e pergunto-me porque não falarão outras que se evitam, desde logo, com o olhar... É claro que toda a gente tem os seus dias, e é fácil uma pessoa dissolver-se na sua própria realidade e esquecer-se de onde está... Mas julgo que é nestas pequenas situações que se vê certas características das pessoas... A simpatia de um sorriso, a generosidade de um olhar, a humildade de um gesto... E, de repente, chega-se ao destino... As relações que ainda à pouco se estabeleceram, desvanecem-se... E cada um vai correndo à procura de si...

Sem comentários: