terça-feira, dezembro 21, 2004

Ponto de vista do dia...

"... Lauren decidiu, por sua vez, contar-lhe uma história, um jogo para o distrair, disse ela. Pediu-lhe que imaginasse que ganhara um concurso cujo prémio seria o seguinte. Todas as manhãs, um banco abriria uma conta crédito de 86400 dólares. Mas, como todo o jogo tem regras, este teria duas:
- A primeira é que tudo o que não seja gasto durante o dia é retirado à noite, não podes fazer batota, é impossível transferir o dinheiro para outra conta, só podes gastá-lo; de manhã, o banco abre outra conta, novamente com 86400 dólares, para gastares nesse dia. Segunda regra: o banco pode interromper o jogo sem pré-aviso; pode dizer-te, a todo o momento, que acabou, que liquidou a conta e não haverá outra. O que é que farias?
Arthur não compreendia muito bem.
- E, no entanto, é simples, trata-se de um jogo, dão-te 86400 dólares todas as manhãs, impondo-te como única obrigação que os gastes durante o dia, sendo-te retirado o saldo quando te fores deitar; mas esta dádiva do céu, ou este jogo, pode ser interrompida a todo o momento, compreendes? Então, a questão é a seguinte: que farias tu dessa dádiva?
Arthur respondeu que gastaria cada dólar em seu próprio benefício e ofereceria imensos presentes às pessoas amigas. Trataria de utilizar cada quarter oferecido por esse "banco mágico" para transmitir felicidade à sua vida e à de todos os que o rodeiam, "mesmo daqueles que não conheço, de resto, pois não creio que fosse capaz de gastar, comigo e com os meus familiares, 86400 dólares por dia; mas, onde é que queres chegar?". Lauren respondeu: "todos nós dispomos desse banco mágico, é o tempo! A cornucópia da abundância dos segundos que passam!"
Todas as manhãs, quando acordamos, dispomos de um crédito de 86400 segundos para viver naquele dia, e, à noite, quando adormecemos, não temos direito a nenhum transporte, perdemos o que não vivemos naquele dia, ontem já passou. E todas as manhãs recomeça as mesma magia, recemos mais 86400 segundos de vida, e jogamos segundo esta regra incontornável: o banco pode encerrar a conta a qualquer momento, sem pré-aviso: a vida pode parar a qualquer momento. Então, que fazemos nós dos nossos 86400 segundos quotidianos? "Os segundos de vida não são mais importantes do que os dólares?"
Desde o acidente, Lauren pensava todos os dias que muito poucas pessoas se apercebem de que o tempo deve ser contado e apreciado. Explicou a Arthur a conclusão da sua história: "Se quiseres compreender o que é um ano de vida, faz a pergunta a um estudante que acabe de reprovar num exame final. Um mês de vida: fala com uma mãe que acabe de dar à luz um bebé prematuro e que espera que ele saia da incubadora para o poder apertar nos braços, são e salvo. Uma semana: interroga um homem que trabalhe numa fábrica ou numa mina para sustentar a família. Um dia: pergunta a dois apaixonados ansiosos por voltarem a encontrar-se. Uma hora: interroga um claustrofóbico prisioneiro de um elevador avariado. Um segundo: olha para a expressão de um homem que acaba de escapar a um acidente de automóvel, e um milésimo de segundo: pergunta ao atleta que acaba de ganhar a medalha de prata nos Jogos Olímpicos, e não a medalha de ouro, pela qual se bateu durante toda a vida. A vida é mágica, Arthur, e eu falo com conhecimento de causa, porque, desde o meu acidente, saboreio o preço de cada instante. Portanto, peço-te que aproveitemos todos os segundos que nos restam." (in Marc Levy, "Enquanto estiveres aí", Editorial Presença)

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