domingo, fevereiro 13, 2005

Mundos...

"Quantos mundos tem o mundo? Perde-se alguém que nos é querido e de pronto nasce outro mundo, em tudo igual àquele onde se está, os mesmos oceanos, as mesmas montanhas, o céu também é o mesmo, as mesmas ruas, as mesmas vozes, tudo igual, tudo quase igual, excepto eu, só eu, apenas eu que lá não entro.
Quantos mundos tem o mundo? Reencontra-se um sentimento e automaticamente se assoma um outro mundo, as mesmas vias, as mesmas viagens, a lua, a mesma também, as mesmas respostas, as mesmas brisas, tudo igual, excepto o passado que já nada traz.
Quantos mundos tem o mundo? Finda o Verão, descem as primeiras luzes do Outono e imediatamente um outro mundo, as mesmas praias, as mesmas distâncias, o mesmo sol, o mesmo vinho, os mesmos risos, igual, quase igual, tudo quase igual, excepto a poesia espraiando-se irritantemente como constatação do irrecuperável...
Perdeu-se, esqueceu-se, reencontram-se palavras, pensamentos, amores, estações e novos mundos, emergindo de rajada. Mas quantos mundos tem o mundo?... Tantos, imensos, menos o meu em tudo igual aos outros, as mesmas estrelas, as mesmas deambulações, as mesmas fachadas, as mesmas roupas, as mesmas horas, as mesmas varandas, o mesmo pensar, o mesmo corpo, a mesma alma, o mesmo palpitar, igual, tudo quase igual, não fosse, à luz do universo, aquele microscópico-colossal pormenor... [Ela] já não estava. A partir daquele dia, para relatar a amargura que se apoderou do meu ser, ter-se-iam de inventar dicionários lúgubres exclusivos ao desgosto. Não era isso, não, nem dor ou sofrer, ou mesmo falta de vida mas inconsolável desconsolo, tão-somente isso..."
CARLOS CANTO MONIZ - AZUL

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