sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Será sempre assim a paixão? Uma fixação que nos puxa irremediavelmente com a força da gravidade para um abismo?

"Emudeci para assimilar as novidades. A verdade é que durante aquele dia e meio não tinha pensado noutra coisa senão nela. A voz que nunca ouvira existia já em mim, percorria-me chamando, sibilando o meu nome; uma doce melodia trespassando-me o espírito em suaves vagas, badaladas mudas de segundos ainda por vir, notas de instantes futuros embalando um viajar destilado de angústia maligna; como que um ópio à espera do efeito, o suficiente para me refrescar... Refrescar-me de quê?, pergunto-me... Não sei, nem hoje o sei, nunca o soube, a graça é essa, afinal a tontura é essa: o maravilhoso caos de tanto querer sem nada saber ou, de improviso, refrescar-me do medo - talvez - do receio comedido, vistas as coisas, de ter de vir a reconhecer um dia que aquelas irritantes insignificâncias que desdenhamos por ridículos impossíveis, e que depois não nos passam - nunca nos passam -, são sempre tesouros que deixámos por abrir.
Era assim que me encontrava, de um momento para o outro, apto, inesperadamente apetrechado para a incursão do amor, um manifesto incentivo para que eu desse seguimento à minha fixação. E depois a carga da predestinação, como o desequilíbrio negligente de um trapezista perdidamente apaixonado pelo chão. A precisão do que estava por chegar..."
CARLOS CANTO MONIZ - AZUL

1 comentário:

Anónimo disse...

" Tu constróis as aparências á tua volta.
Recebes exactamente aquilo que mereces."
Resposta a este bonito texto.