sexta-feira, agosto 27, 2010

Ponto de vista do dia...

No fim de contas, disse para consigo, talvez uma e outra sejam a mesma, e a vida dos homens gire sempre em torno de uma só mulher: aquela onde se resumem todas as mulheres do mundo, vértice de todos os mistérios e chave de todas as respostas. A que maneja o silêncio como ninguém, talvez por essa ser uma linguagem que, há séculos, fala na perfeição. A que possui a lucidez sábia de manhãs luminosas, de ocasos vermelhos e mares azul-cobalto, temperada de estoicismo, tristeza infinita e fadiga para as quais (…) uma única existência não basta. Era necessário, além disso e sobretudo, ser fêmea, mulher, para olhar com semelhante mistura de tédio, sabedoria e cansaço. Para dispor daquela penetração aguda como uma lâmina de aço, impossível de aprender ou de imitar, nascida de uma longa memória genética de vidas incontáveis, viajando como despojo de guerra no porão de naves côncavas e negras, com os músculos ensanguentados entre ruínas fumegantes e cadáveres, tecendo e desfazendo tapeçarias durante incontáveis Invernos, parindo homens para novas Tróias e esperando o regresso de heróis exaustos; de deuses com pés de barros a quem às vezes amava, amiúde temia e quase sempre, mais cedo ou mais tarde, desprezava.

Arturo Pérez-Reverte – O cemitério dos barcos sem nome

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