domingo, agosto 29, 2010

Ponto de vista do dia...

Diante da presença ameaçadora e mágica do mar omnipresente, dores, anseios, vínculos sentimentais, ódios e esperanças diluíam-se na esteira de espuma, enfraquecendo até parecerem distantes, sem sentido, porque o mar tornava os seres humanos egoístas e absortos em si mesmos. Havia coisas intoleráveis em terra, pensamentos, ausências, angústias, que só podiam suportar-se no convés de um barco. Nunca existiu analgésico tão potente como aquele. E ele tinha visto sobreviver, a bordo de barcos, homens que noutro lado teriam perdido para sempre a razão e a calma. Rumo, vento, ondulação, posição, singradura, sobrevivência; ali, só essas palavras significavam alguma coisa. Porque era verdade que a liberdade verdadeira, a única possível, a verdadeira paz de Deus, começava a cinco milhas da costa mais próxima.

Arturo Pérez-Reverte – O cemitério dos barcos sem nome

Sem comentários: